sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Tempos




Tic...Tac...
Tic...Tac...
Tic...Tac...
Tic...Tic...Tic
Mil mãos revoltas estrangulavam desmedidamente tão esguio pescoço. Enquanto isto, milhares de milhões de agulhas irrompiam sua sensível pele macia provocando-lhe uma dor delicadamente aguda.
Sete sóis incineravam seus claros e surpresos olhos. Ali estava ele cotorcendo-se de dor, de pânico, mas maioritariamente, de dúvida e espanto...Nisto, vasculhava suas memórias vagas, nesses pensamentos desertos apenas ouvia o gotejar: "tic...tic..tic..."Ingénuo, inocente, aquela criatura recém-nascida despediu-se delicadamente das agulhas, soltou as mãos que privavam os seus desesperados pulmões de ar. Soltou-as gentilmente, uma por uma.
Por fim, vendou-se com um doce turbante negro. E despediu-se, do sofrimento, da angústia e do receio.
O não a um sorriso de lágrimas...
A natureza havia-lhe falhado, por isso mesmo desabrochou uma naturalidade virgem e exótica ...única...
Mas nada pára...Tac...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Entranhas



E mergulhado no meu próprio ímpeto confuso ia irradiando especulações acerca da minha existência. Coisas absolutamente absurdas que trato como seriedades catalizadas pela demência. Ansioso e receoso da minha explosão de veracidades duvidosas que me atormentam o pensamento, constantemente, penso, escrevo, vivo sem saber, sem ter a noção e a certeza da mais pura realidade. Tão frustrado por não conseguir descrever aquilo que a mente mal acompanha...então estas linhas a léguas ficam do desespero gélido que penso ser único e por isso mesmo me assuste, tanto quanto me satisfaz...

Tiro No Escuro




Acordando de um doce pesadelo, fui perscrutando a penúmbra que irradiava de negro tudo que abraçava. Privado das cegas cores, nada mais podia fazer do que atirar-me de olhos vendados e de mente esperançada. Na verdade, não havia qualquer esperança. Não havia a mínima dúvida que mergulharia bem fundo na dimensão do sofrimento gélido. Apesar de ciente da verdade que teimava em recusar acreditar na minha aceitação, atirei-me... A dor não tardou a penetrar-me, no entanto não me perturbou tanto quanto a impassividade de nada fazer e de por momentos me achar e sentir invulnerável, impenetrável... Esperançosamente cego...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

O Casaco

Pendurado e sem vida, ali estava aquela peça rota.
Um casaco que já viveu experiências e tocou emoções.
Abandonado e esfarrapado ali se encontrava o inanimado objecto que outrora sentiu as gélidas gotas de chuva penetrarem-lhe as fibras. O casaco que sentiu tão forte e intenso abraço, tão alta e dolorosa queda.
Aquele tecido castanho onde o fumo se havia entranhado e que tantas lágrimas salgadas afogou. Aquele velho inútil e solitário casaco que outrora tocou sentimentos e acariciou milhares de peças de vida, pendia agora no cabide de esquecimento como simples desperdício.
Afinal de contas..era só um casaco.

Imagem capatada pela minha amiga Luísa. A ela, um tremendo obrigado por me abrigar do frio que me assolava o corpo e o espírito. Serve-me na perfeição.

Dás-me Poesia?


Então? Dás-me poesia? Essa tua bela e doce poesia que não mais vê senão arte e vida.
E que poesia é essa que arde de amor? Poesia poesia...serás tu sincera?
Sorte da poesia que na Poesia não se olha a polígrafos.
Nada interessa na veracidade com que arte é feita. Apenas como esta é vivida. Tão falsa poesia de verdade.
Então? Dás-me essa tua poesia?

Eu, Tu, Nós...


Da minha paradoxal existência retiras apenas a leveza da memória. O nada de meus dados vazios. De mim, fonte não fazes, essência não bebes. De tudo exótico e virgem que te posso conceder, apenas a concha, forte, feia e fria, deleita teus grandes e inocentes olhos. Talvez o medo te entorpeça a bravura e a coragem. Quem sabe, não és tu criatura sana. Então, miras-me, aproximas-te no teu "Eu" afastado e podendo tocar-me, sussurras-me à distância de um grito. Então, de minha incógnita profundidade, caio para o topo da ingenuidade supérflua e efémera.
Digo eu que tenho em mim meu reflexo quando na verdade, sou eu prisioneiro do meu "outro". Ao espelho, repito para mim, e a mim me ouço em desespero. Todos querem saber quem "sou",mas ninguém "nos" quer conhecer.